Hoje eu não quero poemas, mas histórias. Adoro histórias! Sou como criança, para quem elas são âncoras. Prefiro ouvi-las antes de dormir e, apesar de ser manhã ensolarada - e eu não ser muito boa com as palavras - vou contar a história do menino e a estrela.
Era uma vez, Tico, o garoto dos olhos dourados. Curioso que só, Tico estava sempre em busca de aventuras e histórias geniais. Porém era um menino solitário, vivia numa casinha pequenina com sua vó e seus carrinhos.
Certo dia, numa tardezinha com o sol morrente e a lua chegante, o menino brincava de viajar o mundo inteiro deitado no seu gramado quando viu uma estrelinha piscante. Ela tava sorrindo pra ele de um jeito tão bonitinho!
Tico ficou todo vermelho. Não tava acostumado a ver estrelas sorrindo. Nem sabia que elas podiam sorrir! Aninha, a estrela sorridente, ficou tão encantada com o brilho inocente do olhar de Tico, que decidiu descer do céu para brincar de roda com ele. Aninha era uma estrela menina, daquelas bem travessas que gostam de enfiar as mãozinhas na terra para sentir a umidade e de correr contra o vento, gargalhando de alegria.
Tico, que nunca teve uma amiga menina, muito menos estrela, ficou sem saber o que fazer. Então teve a brilhante ideia de oferecer a ela seu maior tesouro: seus potentes carrinhos! Fazia com eles todas as manobras fantásticas que sua mente concebia. Eram os mais valiosos objetos do mundo. Tico juntou todos os que pode carregar no cesto que formou com a camiseta e levou até Aninha.
Talvez ela ou qualquer outra pessoa não pudesse entender, mas Tico estava entregando-lhe seu coração em forma de carrinhos. Aninha, então, resolveu plantá-los no jardim, para que virassem girassóis! Afinal, para a menina estrela, flores eram os seres mais lindos que existiam.
Acontece que meninos não entendem as sutilezas femininas e Tico pôs-se a chorar zangado com Aninha. Ela havia sujado todos os carrinhos! Ele não se importava com flores! Assustada, a estrelinha perdeu a forma humana e subiu para o céu chorando compulsivamente.
Tico não percebeu que Aninha havia partido e continuou a esbravejar. Quando se viu de novo só, cercado de seus carrinhos queridos, ficou aliviado. Era bom se ver livre de uma menina maluca que plantava carros. O silêncio foi reconfortante, pois lhe era familiar. Tico não queria nunca mais ver Aninha!
A noite caiu e a pequena estrela desapareceu à luz do intenso luar. Tico vasculhou o céu e não encontrou Aninha. Agradeceu silenciosamente a Deus pela sorte de não precisar nunca mais se preocupar com a segurança de seus carrinhos. Afinal, só isso importava: que seu tesouro fosse preservado. Tesouros são tesouros, eles valem mais que tudo. E o menino sabia que apenas aqueles que guardassem seus carrinhos com a vida mereciam ser seus amigos. Aninha não entendia isso e só queria que nascessem flores.
Nos dias seguintes, as nuvens encobriram o firmamento e nenhuma estrela enfeitou o entardecer, nem a noite. Foram semanas escuras. Tico ainda olhava de soslaio o céu quando entardecia, para certificar-se que ela nunca mais voltaria. Porém, se sentia vazio sem o som daquela risada. Era estranho. Seus pertences estavam seguros, mas pareciam agora pálidos e sem vida. Como era possível que todas as piruetas fantásticas perdessem o viço perante uma garota estúpida que plantava brinquedos?
Aninha ainda chorava triste por si e por Tico. Estrelas que choram não podem enfeitar o céu. Seu coração ficou nas mãos do garoto de olhos dourados que não a queria por perto! Ele não a compreendia, mas mesmo assim ela o amava.
A estrela partiu para onde a noite nunca cai. Lá não poderia enfeitar a tarde de seu amor, mas ao menos nunca mais faria Tico chorar. Assim fez Aninha. Permaneceu silente e reclusa. O coração da estrela foi se apagando aos poucos, mas ela ainda guardava nas unhas a terra do jardim de Tico onde enterrou suas mãozinhas. Foi o pouco que lhe restou do amor.
Muitas vezes o amor não se faz compreender ou se desvia sem perceber, mas nunca deixa de ser amor. Talvez um dia o menino plante um carrinho e dele brote uma flor. Nesse dia, o som do riso de Aninha cobrirá o jardim de Tico. Talvez...
PS: Aninha aprendeu que não é preciso enterrar carrinhos para que as flores vivam, elas nascem é da compreensão, do carinho, do cuidado, enfim, do amor. Tico não aprendeu nada, mas não deixa de todas as noites vasculhar o céu em busca de uma estrela que ri. Seu coração dói, porém ainda tem seus preciosos carrinhos, o único tesouro que realmente lhe importa.
E a vida é assim. O amor é para quem se entrega, para quem tem coragem de plantar, não para os que se apegam aos seus medos.